Às vésperas de novo ato bolsonarista no Rio de Janeiro, completam-se dez anos de um protesto crucial para a direita na mobilização pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT) e cinco de outro movimento que indicava uma guinada do então presidente, Jair Bolsonaro (PL), na escalada de ataques a outros Poderes.
Especialistas e políticos de direita e esquerda apontam aquelas manifestações como momentos-chave na história recente, que aumentaram atritos entre as instituições.
Apesar de terem ocorrido em contextos diferentes, os protestos pelo impeachment de Dilma e os atos pró-Bolsonaro estavam carregados de mensagens em comum, principalmente críticas à atuação do STF (Supremo Tribunal Federal) e pedidos de intervenção militar.
“Houve várias manifestações da direita contra o Supremo, até mesmo durante o governo de Jair Bolsonaro, que causaram enorme mal-estar entre os Poderes. O STF e o Congresso vêm, desde o governo Dilma, sofrendo ataques”, afirma Marcos Antônio Teixeira, cientista político e professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Meio de mobilização até então mais usado pela esquerda, as manifestações de rua organizadas pela direita foram uma maneira de disputar esse território e pressionar os rumos que seriam tomados em relação à crise econômica e política no país, diz Luiza Foltran, pesquisadora do Debate Político no Meio Digital.
No dia 15 de março de 2015, os protestos contra Dilma alcançaram todas as capitais do país, reunindo milhares de pessoas —a maior parte delas vestindo verde e amarelo, cores da bandeira brasileira. Os protestos aconteceram em meio a um cenário de alta nos índices de desemprego, inflação e escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava Jato.
O maior ato ocorreu na Paulista, em São Paulo, onde o Datafolha contabilizou a presença de 210 mil pessoas, apesar da chuva que atingia a capital paulista naquele dia.
O deputado Aécio Neves (PSDB), candidato à Presidência derrotado por Dilma no segundo turno de 2014, afirma que os protestos foram uma consequência das más decisões do governo na área da economia.
Para ele, ambos os movimentos que ocorreram durante os governos de Dilma e Bolsonaro foram legítimos, apesar de os mandatos comandados por ideologias opostas “retroalimentarem a polarização”, o que interessa aos dois campos políticos.
“Durante essa década, o centro político foi escanteado”, diz. “Essa polarização está atrasando o Brasil.”
Cinco anos depois, em 2020, a multidão vestida de verde e amarelo tomou, novamente, as ruas. A pauta era o apoio ao então presidente. Os bolsonaristas alegavam que o Legislativo e o Judiciário estavam atrapalhando o governo Bolsonaro.
Naquele momento, a pandemia de Covid estava no início no Brasil. Dias antes, no dia 11, o governo havia decretado estado de calamidade por conta do coronavírus. Durante os protestos de 15 de março, o coronavírus foi chamado de “mentira” por líderes que discursaram em caminhões de som.
Na ocasião, o mandatário negou que a manifestação fosse contra as instituições. “Não é contra nada, é um movimento a favor do Brasil”, disse.
“Bolsonaro surfou a onda do impeachment e da Lava Jato e, de maneira muito hábil, inverteu a realidade, dizendo que os atores desses importantes movimentos teriam surfado na onde dele”, afirma a vereadora Janaína Paschoal (PP), que ficou conhecida ao entrar com o pedido de impedimento de Dilma.
“Ele inaugura um novo tipo de manifestação, aquelas que vêm do povo, ao mesmo tempo que respondem ao chamado de um governo. Nas disputas dele com o Congresso e com o STF, ele utilizou esses mecanismos de mobilização para reforçar suas posições. A inauguração de uma nova forma de fazer política”, diz Luiza Foltran.
Presidente do PT em 2015, o deputado Rui Falcão (PT) não acredita que as manifestações durante o governo Dilma tenham sido uma guinada dos movimentos de direita no país. Para ele, “o ovo da serpente foi implantado muito antes, quando Dilma se recusou a realizar pedidos antiéticos da classe política”.
“A derrubada do governo deixou a brecha para a população acreditar que se pode derrubar as instituições a qualquer momento”, afirma.
O deputado relatou à Folha que, na época das manifestações de 2015, sugeriu à então presidente Dilma que fizesse um “chamamento à população”, mas que o governo decidiu tentar brecar o impeachment no âmbito institucional, o que não deu certo.
“Eu assisti à base deixando o governo. Um dia, eu estava no Planalto com um assessor quando um ministro passou por nós de cabeça baixa. Meu assessor disse: ‘Ali vem um traidor’”, afirmou.
Neste domingo (16), apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro realizam um ato em favor da anistia, em Copacabana, no Rio. A pesquisadora e analista política Júlia Almeida analisa que o ato é uma continuação da estratégia usada pela direita na última década.
“Manter sua base mobilizada foi fundamental para a manutenção do seu capital político. É nisso que Bolsonaro aposta agora, com sua versão própria para o indiciamento por tentativa de golpe”, diz.