Criados na década de 1940 por Getúlio Vargas, as entidades do “Sistema S” possuem, em tese, a finalidade de contribuir para o ensino e qualificação dos trabalhadores brasileiros. Presentes em todos os estados da federação, Sesc, Senac, Sesi, Senai, Sebrae, Senar, Sescoop, Sest e Senat têm o dever de preparar a população para o mercado de trabalho oferecendo gratuitamente cursos e qualificação, algo cada vez mais importante no atual cenário de inovações tecnológicas.
Como contrapartida, a Constituição Federal permite que essas entidades arrecadem, via Receita Federal, bilhões de reais em tributos de empresas, além de receber recursos públicos mediante transferências e convênios de ministérios, como o Ministério da Educação. O montante é expressivo, sendo que, acordo com dados da Receita Federal, em 2024 as entidades receberam R$ 29 bilhões apenas em arrecadação, sem contar outras transferências. Comparativamente, em 2024 o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) recebeu R$ 32 bilhões.
Apesar da importância de suas atividades e quantidade de recursos públicos recebidos, essas entidades ainda possuem muito a avançar em matéria de transparência e prestação de contas. De acordo com o economista Bruno Carazza, “o sistema S tem um papel importante na sociedade brasileira, mas sem transparência fica bastante difícil avaliar o retorno dos programas desenvolvidos pelas suas entidades em relação ao seu custo, que é elevado e onera a folha de pagamentos das empresas”. O especialista ainda refere que: “Como essas despesas são de difícil monitoramento pela sociedade, há um elevado risco de desvios de recursos e superfaturamentos”.
De fato, desde 2016 o Tribunal de Contas da União (TCU) vem sucessivamente encontrando problemas e determinando melhorias na transparência dessas entidades, desde a criação de setores de fiscalização e páginas de transparência centralizada (acórdão 699/2016-Plenário) e a publicação de informações de processos seletivos (acórdão 7436/2018-Segunda Câmara) até a disponibilização de documentos legíveis em seus sites (acórdão 1669/2019-Plenário).
Em 2024, auditoria identificou a existência de mais de 110 contratos de empresas fornecedoras cujos sócios eram dirigentes ou funcionários das entidades, além de situações de nepotismo e falta de transparência (acórdão 532/2024-Plenário). Mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal, por decisão do Ministro Flávio Dino, precisou dizer o óbvio: assim como os demais agentes que recebem recursos públicos, a remuneração de empregados e dirigentes do Sistema S também precisa ser pública e de fácil acesso à população em geral.
Se a “transparência operacional” ainda tropeça, a situação da transparência da “atividade-fim” do Sistema S ainda é ainda mais complexa: não há atualmente um “Portal da Transparência” dedicado a centralizar informações sobre quantidade de bolsas e cursos oferecidos, alunos formados, trabalhadores qualificados e cidades atendidas por essas instituições. Como quem não mede não gerencia, na ausência de metodologias claras e de indicadores uniformes e acessíveis, não há como prestar políticas públicas de qualidade.
Mesmo que bem intencionados, a falta de transparência impede a população de saber se ações, projetos e programas executados pelo Sistema S efetivamente atendem à finalidade para a qual foram criados. De forma urgente e necessária, governo federal e entidades podem e devem tomar medidas para reverter esse quadro, deixando claro que a confiança da sociedade ao atribuir ao Sistema S sua importante missão é merecida. Apenas assim será possível reverter a pecha de “caixa-preta” perante a sociedade.
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