O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, por sete votos a quatro, ampliar o foro especial para manter na corte as investigações de autoridades mesmo após elas deixarem os cargos.
A tese vitoriosa foi proposta pelo ministro Gilmar Mendes. Ela define que o foro especial “subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício”.
O novo entendimento tem aplicação imediata.
A ampliação do foro privilegiado enfraquece uma das principais linhas da defesa dos denunciados pela trama golpista de 2022. Elas argumentam que o julgamento não caberia ao Supremo, já que nenhum dos denunciados teria foro especial por já ter deixado os cargos.
Com a mudança de entendimento do Supremo, processos contra ex-presidentes e ministros por crimes cometidos durante o mandato e no exercício das suas funções devem seguir na corte —caso de Jair Bolsonaro (PL) e dos ex-ministros denunciados Augusto Heleno, Walter Braga Netto, Paulo Sérgio Nogueira e Anderson Torres.
Gilmar foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Kassio Nunes Marques. A minoria foi formada por André Mendonça, Edson Fachin, Cármen Lúcia e Luiz Fux.
O caso julgado pelo STF nesta terça tramitava no tribunal desde março de 2024, mas foi interrompido três vezes por pedidos de vistas (mais tempo para análise). A maioria já estava formada em setembro de 2024, quando Nunes Marques, o último a votar, pediu novo prazo para formular seu posicionamento.
O julgamento voltou ao plenário virtual em 28 de fevereiro e se encerra às 23h59 desta terça-feira (11).
A decisão do Supremo marca uma mudança de postura. Em 2018, a corte havia fixado uma tese com dois principais pontos.
O primeiro estabelecia que o foro especial só valeria caso o crime tivesse relação com o cargo ou o mandato. Uma autoridade com prerrogativa de foro que cometesse um homicídio, por exemplo, não seria julgada pelo Supremo.
O segundo ponto previa que a autoridade que cometesse crime ligado à função exercida teria foro privilegiado apenas enquanto durasse seu mandato. Do contrário, deveria ser levada à primeira instância caso ela tenha saído do cargo.
O novo entendimento do Supremo altera o segundo ponto da tese fixada em 2018. A partir de agora, os processos contra autoridades com foro privilegiado devem seguir na corte mesmo após o término dos mandatos.
“É necessário avançar no tema, para estabelecer um critério geral mais abrangente, focado na natureza do fato criminoso, e não em elementos que podem ser manobrados pelo acusado (permanência no cargo)”, diz Gilmar.
A discussão do alcance do foro especial foi reaberta enquanto o Supremo decidia o destino da investigação de dois parlamentares.
Um dos casos envolvia a ex-senadora Rosa de Freitas (MDB-ES), investigada por corrupção passiva, fraude em licitação, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
O outro envolve o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), que quer levar ao Supremo um processo da Justiça Federal do DF em que é réu por um suposto esquema de rachadinha quando era deputado federal.
Gilmar entende que a nova posição do Supremo põe fim a uma manobra que poderia ser usada por autoridades denunciadas por crimes.
“O parlamentar pode, por exemplo, renunciar antes da fase de alegações finais, para forçar a remessa dos autos a um juiz que, aos seus olhos, é mais simpático aos interesses da defesa”, diz.
“[A nova tese] Estabiliza o foro para julgamento de crimes praticados no exercício do cargo e em razão dele, ao mesmo tempo que depura a instabilidade do sistema e inibe deslocamentos que produzem atrasos, ineficiência e, no limite, prescrição”, completa.