A prisão e ameaça de deportação de Mahmoud Khalil, um dos líderes dos protestos anti-Israel na Universidade Columbia, indica que Trump pretende produzir a terceira versão de um filme antigo. O Pânico Vermelho original desenrolou-se no rastro da Grande Guerra, sob o impacto da Revolução Russa e da radicalização do movimento trabalhista nos EUA. A versão seguinte foi o macarthismo, na primeira década da Guerra Fria. O filme serve para ampliar o poder estatal e acossar as liberdades públicas.
As manifestações estudantis anti-Israel de 2024 desempenharam papel instrumental no triunfo eleitoral de Trump. Na sua maioria, os participantes reagiam com horror aos bombardeios indiscriminados israelenses na Faixa de Gaza. Suas lideranças, porém, ergueram bandeiras que ecoam a estratégia do Hamas. “Palestina livre do rio até o mar”, o lema perene, e imagens celebratórias dos atentados de 7 de outubro, descritos como “os palestinos voltando para casa”, somaram-se a atos pervasivos de intimidação contra estudantes e professores judeus. O Partido Democrata foi visto como sócio do linguajar antissemita pois sua ala esquerda saudou os protestos.
Segundo as vagas acusações do governo, Khalil teria conduzido atividades “alinhadas com o Hamas, uma organização designada como terrorista”. O Pânico Vermelho, parte 3, mira crimes de palavra, ignorando a Primeira Emenda da Constituição dos EUA.
Os EUA não são o Brasil. Por aqui, um juiz do STF navega, com amparo de seus pares, em faixas cinzentas da lei para suprimir perfis de redes sociais acusados de “discursos de ódio”, “discursos antidemocráticos” ou “desinformação”. Por lá, a Primeira Emenda assegura uma liberdade de expressão limitada apenas pelo chamado direito ao exercício da violência. Os lemas e imagens antissemitas utilizados na Colúmbia são abomináveis, mas estão cobertos pelo manto constitucional. Khalil não cometeu crime nenhum.
Tudo indica que, ao ordenar a prisão, o governo desconhecia o estatuto de Khalil, um palestino detentor de residência permanente (green card). Mesmo assim, Trump insiste na deportação: “Prenderemos e deportaremos de nosso país esses simpatizantes do terrorismo —para nunca retornarem novamente!”. Enquanto isso, seu secretário de Estado, Marco Rubio, brandia uma interpretação extrema da Lei de Imigração e Nacionalidade pela qual Khalil seria deportável por ameaçar os “interesses de segurança nacional” dos EUA.
“É a primeira prisão de muitas a virem”, proclamou Trump. Na versão original do Pânico Vermelho, o jovem J. Edgar Hoover conduziu as deportações de centenas de ativistas do movimento operário que eram imigrantes com residência permanente. Mais tarde, em 1952, já como diretor do FBI durante o macarthismo, Hoover obteve da Corte Suprema a autorização de deportação de três imigrantes residentes que tinham se filiado ao minúsculo Partido Comunista dos EUA.
A conexão entre xenofobia e perseguição ideológica não é novidade. O caso de Khalil foi desenhado para servir de alerta aos 13 milhões de detentores do green card, além de 1,5 milhão de professores e estudantes estrangeiros com vistos válidos: Trump ignora a Primeira Emenda. Pânico Vermelho, parte 3, como seus predecessores, é um filme de propaganda —mas, no fim, o que está em jogo é a substância da democracia.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.