Lideranças petistas viram os recentes acenos do novo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), a pautas simpáticas à oposição ao governo Lula como uma tentativa de contrabalançar o discurso no qual defendeu repetidamente a democracia, disse que não admitirá flertes com a ditadura e fez referência ao filme “Ainda Estou Aqui”.
A avaliação dos aliados do presidente é a de que Motta percebeu a repercussão negativa em parte da direita bolsonarista ao seu primeiro pronunciamento no cargo (no qual citou 28 vezes a palavra “democracia”) e, na tentativa de compensar, fez concessões parciais a bandeiras como a anistia aos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro e mudanças na Lei da Ficha Limpa.
Para petistas ouvidos pela Folha, o movimento pendular de acenar para o governo e para a oposição será constante na gestão de Motta, que, na avaliação deles, não deverá atuar de fato para que seja votado o chamado PL da Anistia.
Por isso, dizem, não há motivo para crise com o novo comandante da Casa, ainda que considerem importante destacar que discordam de sua interpretação do ocorrido.
Jilmar Tatto (SP), secretário nacional de comunicação do PT, diz que o presidente da Câmara tenta “uma mediação para o lado de lá” e que os governistas devem se acostumar com o padrão “uma no cravo, outra na ferradura”.
“Ele já falou que foi inaceitável e antidemocrático o que aconteceu no 8/1. Acho que está 1 a 1. Na gestão anterior [na presidência de Arthur Lira (PP-AL)], perdíamos sempre de 1 a 0. Melhor assim. Não vai mudar nada em relação à anistia, ele não vai mover uma palha”, afirma Tatto.
Essa interpretação é repetida por outros petistas em caráter reservado.
Rogério Correia (MG) afirma que Motta já disse aos petistas que a anistia não é uma pauta dele e não é de interesse para o país. “Tem de ver o teor da entrevista, ao que parece ele disse ser uma opinião pessoal, a meu ver totalmente equivocada”, afirma o deputado.
“Confiamos no que ele nos disse e, com a denúncia da PGR [Procuradoria-Geral da República] que virá em breve, e o início do julgamento pelo STF [Supremo Tribunal Federal], o sensato será aguardar o resultado. Com certeza é o que o Congresso fará, em respeito ao processo democrático e seus poderes”.
Líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ) diz que também considera que Motta cometeu “erro de avaliação dos fatos da história” ao abordar os ataques de 8/1.
Para Farias, Motta precisa levar em conta a cadeia de eventos que envolve reuniões do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ministros no Palácio do Planalto para tratar de reações a um cenário de derrota para Lula em 2022, a apresentação de minuta de golpe a comandantes das Forças Armadas e a elaboração de suposto plano para matar o ministro do STF Alexandre de Moraes, Lula e Geraldo Alckmin, entre outros pontos.
Antes de ser eleito à presidência da Câmara no último dia 1º, com 444 votos dentre 513 integrantes da Casa, Motta evitou dar entrevistas à imprensa e se comprometer com o projeto de lei da anistia, para não gerar ruídos com o PT e o PL, as duas maiores bancadas da Casa.
O texto está desde o ano passado em uma comissão especial.
Em entrevista na sexta-feira (7) à rádio Arapuan FM, da Paraíba, Motta disse que os atos do 8 de janeiro foram “uma agressão às instituições”, mas que “golpe tem que ter um líder, tem que ter pessoa estimulando, apoio de outras instituições interessadas, como as Forças Armadas, e não teve isso”.
Ele também afirmou que enxerga “um certo desequilíbrio” nas penas impostas pelo Supremo a alguns dos envolvidos. “Não pode uma senhora que passou ali na frente do Palácio do Planalto, mas não fez nada, não jogou uma pedra, receber 17 anos de pena para regime fechado”, argumentou.
Ainda assim, Motta disse se tratar de um posicionamento pessoal e que não pode se comprometer a colocar o PL da Anistia entre as prioridades de votação. Segundo ele, isso dependerá da evolução das conversas e negociações com os líderes da Casa.
Os ataques de 8 de janeiro tiveram como base integrantes do acampamento golpista erguido em frente ao Quartel General do Exército em Brasília logo após a derrota de Bolsonaro para Lula na eleição de 2022. Os acampamentos foram mantidos no país sob o incentivo do ex-presidente, o financiamento de bolsonaristas e a conivência das Forças Armadas.
O posicionamento de Motta sobre o projeto de anistia foi similar ao adotado em relação à revisão da Lei da Ficha Limpa proposta por aliados de Bolsonaro que desejam que o ex-presidente seja candidato em 2026.
O texto apresentado à Casa reduz de oito para dois anos o período de inelegibilidade de políticos condenados por abuso de poder político ou econômico e uso indevido dos meios de comunicação. O ex-presidente, que está inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral, seria contemplado pela mudança.
Motta declarou na terça-feira (4) à CNN Brasil que oito anos de inelegibilidade é um prazo que abrange quatro eleições no Brasil e, por isso, considera ser “um tempo extenso” na política —ou “uma eternidade”, como definiu à rádio de seu estado.
Ainda assim, disse que não tem o compromisso de pautar o projeto para mudar a lei e que os colegas que têm que levar seus argumentos para convencer os demais no colégio de líderes e no plenário da Casa.