O julgamento da conspiração de membros da cúpula do governo Bolsonaro tem sido analisado em relação ao seu provável impacto —ganhos e custos— para o governo e a oposição. Mas há outro poder envolvido: o Poder Judiciário. Para o STF, o saldo líquido será certamente negativo em qualquer cenário.
É um truísmo afirmar que, na última década, o STF tornou-se hiperprotagonista do jogo institucional. Não se trata de algo trivial, mas da maior transformação em nosso sistema político pós 88.
São quatro os principais fatores explicativos para o hiperprotagonismo do STF: sua jurisdição como corte criminal; o impeachment presidencial de 2016; a contenção de um presidente francamente hostil à ordem constitucional; e, como desdobramento desta última, o julgamento da conspiração. A trajetória linear de expansão do protagonismo está sofrendo radical inflexão, e os desafios da corte são agora de outra ordem de magnitude.
O ponto de partida dessa transformação que se inicia em 2005 é a atuação do STF como corte criminal —sem paralelo em outros países— em um contexto de mega escândalos de corrupção e que levaram centenas de agentes políticos, inclusive presidentes e chefes de poderes legislativos, aos bancos dos réus e à prisão. Como consequência, a corte atraiu ataques políticos que se intensificaram do julgamento do Mensalão (2012) ao do Petrolão. Por sua vez, o impeachment consolidou, efetivamente, o Supremo como protagonista.
A ascensão de Bolsonaro levou a um outro patamar. Inaugurou uma era de confronto aberto. E aqui há um fato novo crucial: a arbitragem constitucional mudou de chave. Não se trata de conter os excessos do Executivo ou de conflitos interpoderes envolvendo o Legislativo, mas de responder os ataques à própria corte; o que é inédito e deflagra respostas hiperbólicas num crescendo. O perfil de agente passivo de arbitragem não dá mais conta face às investidas virulentas e sem precedentes do Executivo e aliados. Mas esta resposta —muitas vezes concentrada em decisões monocráticas controversas— tem acarretado custos elevados para o STF.
Os desafios institucionais adquiriram agora escala verdadeiramente sem paralelo. A conspiração não envolve apenas ataques difusos à corte mas também planos de assassinato de juízes (evento raríssimo na literatura sobre intentonas e golpes), um dos quais que está ativamente participando do próprio julgamento, inclusive como relator. Este hiperprotagonismo individual que deflagrou cobrará um preço quanto à legitimidade da corte.
Esta anomalia se soma ao padrão —marcado por lealdades pessoais— das nomeações recentes de juízes do STF. A escolha do advogado pessoal do presidente para compor a corte foi objeto de repúdio por muitos analistas pelas suas repercussões futuras. Da mesma forma, a nomeação de um ex-parlamentar, e ex-titular de pasta ministerial, notório no combate aos adversários do governo, vai na mesma direção. Basta pensar no contrafactual: qual seria o cenário se os juízes fossem membros destacados da comunidade de juristas do país, sem vínculos com os ocupantes do Poder Executivo?
O julgamento será fatalmente percebido como hiperpolitizado —seu custo proibitivo— em um momento crítico para a democracia brasileira.
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